Porque eu estava sentada no chão e o som tocava alto, vinha do escritório. Era Jimmy quem me dizia com aquela sua voz tão sua:
- Foxy lady...
O som estava alto, mas suas palavras soavam como um sussurro sexy e suave que entrava pelos ouvidos e me deixava arrepiada. Era comigo que ele falava. Sim, eu era a garota da canção. Poderia ser quem sabe. Poderia ser sido. Um dia. Quem sabe. Então, parei para pensar que passei boa parte da minha vida querendo ser a garota da canção.
Sim, você sabe quem é ela. É sobre ela que falam das canções de dor de cotovelo. Porque ela é especial e única e encantadora por aí vai. A lista é longa, mas você sabe muito bem quem é a garota da canção. Não sei se ela é coisa da cultura ocidental e também não sei sua data de nascimento, só sei que ainda circula por aí, embora agora o faça nos serviços de streaming.
Jimmy ainda cantava quando dei por mim e percebi que um outro Jimmy, meu gato grande e branco, me olhava na expectativa: "Vamos, mamãe, termine de limpar meu banheiro!". Pois é, eu estava sentada no chão, cercada por granulado de madeira e cocô de gato. Aqui, no mundo longe da minha imaginação, mundo este dos meus pés arianos, meu gato esperava que eu terminasse de limpar sua caixa de granulado.
Não, eu não era a garota da canção. Ela não limpa o banheiro do gato porque ela - simplesmente - não existe. Não, eu não era a garota da canção. Mas eu existo. E não só existo como agora eu era a mulher que poderia escrever suas próprias canções. A mulher que não precisaria que outro falasse sobre ela enquanto ela pudesse falar sobre si mesma. Era a minha voz sobre mim e não a voz do outro. Acho que devo "obrigada" ao feminismo.
Foi então que resolvi voltar a escrever e aqui inicio meu novo blog.
(também com a esperança morna-meio-fria de alento nesses tempos pandêmicos)
